Comer fora de casa, consumir marcas premium e comprar em hipermercados deixou de ser um costume do brasileiro durante a crise.
Ao mesmo tempo, as compras coletivas em atacarejos, a preferência por marcas mais acessíveis e a alimentação dentro de casa são práticas que passaram a fazer parte dos hábitos de consumo da população.
E deve continuar assim em 2018, de acordo com a pesquisa 360º Consumer View 2017 realizada pela Nielsen Brasil em oito mil lares do país.
Após alguns anos lidando com inflação, retração do PIB, desemprego crescente e uma forte crise política, que afetaram a economia e também a confiança do consumidor, é possível dizer que o brasileiro se tornou mais racional na hora de comprar.
O estudo também se deparou com indivíduos mais organizados em relação ao consumo nos próximos meses.
Neste contexto, os consumidores se mostram mais preocupados em conter gastos, assumir menos riscos e ter foco nas escolhas e decisões de compra.
A combinação desses fatores ainda prejudica o desempenho do setor de bens de consumo, assim como também o varejo.
Em 2016, as 130 categorias de consumo auditadas pela Nielsen registraram queda de vendas de 5,7%. Os itens são agrupados em cinco cestas – limpeza, higiene e beleza, bebidas, perecíveis e mercearia.
Em 2017, o tombo foi ainda maior e chegou a -6%. De acordo com a Nielsen, oito em cada dez brasileiros fizeram cortes na cesta de produtos.
Ricardo Alvarenga, líder de desenvolvimento de negócios da Nielsen Brasil, diz que as compras sem planejamento, que pautaram os últimos sete anos, não retornarão com força após a recuperação econômica. As referências de preço e percepção de valor adquiridas durante a recessão serão levadas para o futuro.
GASTOS X RENDA
A mesma pesquisa realizada em 2015 constatou que os brasileiros gastavam em média 4,4% a mais do que ganhavam. Em 2016, as famílias conseguiram equilibrar as contas, e pela primeira vez a classe C passou a controlar suas despesas.
Este ano, o jogo virou e a renda das famílias se tornou 9,9% maior que os gastos.
Hoje, a Nielsen considera que 51,8% da população é impactada pela crise. São famílias endividadas que não conseguirão pagar suas dívidas nos próximos meses, ou que têm algum integrante da família desempregado.
Mesmo impactadas, essas famílias têm comprado mais itens do que antes, embora estejam gastando menos. Isso pode ser observado olhando dentro dos carrinhos de supermercados, onde produtos como cerveja e outras bebidas alcóolicas ganharam mais espaço – um efeito da redução na alimentação fora do lar que puxou o consumo para dentro de casa. A troca por marcas mais baratas também beneficiou este cenário.
Já os não impactados pela crise (48,2%) fazem parte das classe AB e DE, e possuem um equilíbrio de renda 10% maior que os gastos.
Tratam-se de famílias menores, sem crianças, com donas de casa entre 31 e 40 anos, com maior predominância no Estado de São Paulo e que especificamente, nos supermercados, compram apenas o que haviam previsto.
“Há um desafio muito grande para as empresas, que é chamar a atenção deste consumidor dentro da loja”.
Em geral, esses domicílios gastam 13% a mais do que a média em todas as contas do ano e têm como principal preocupação manter os padrões de consumo.
Embora não tenham perdido o emprego e nem estejam endividados, essa parcela da população também possui alguns anseios reprimidos por vivenciar as incertezas da situação econômica brasileira.
Do total dos entrevistados, 43% disseram que quando a crise acabar mudarão a forma como gastam dinheiro. Deste número, 19% pretendem gastar mais com lazer, outros 12% querem voltar a comprar produtos que deixaram de consumir e 12% passarão a comprar marcas mais caras.
CLASSES
Num raio-x de como as famílias estão equilibrando gastos e rendas, a Nielsen Brasil constatou que as classes AB diminuíram seus investimentos, ao passo que a classe C reduziu o gasto com impostos e taxas e as classes DE diminuíram o valor das prestações de imóveis.
Por outro lado, as classes AB e DE são as que voltaram a gastar mais nos supermercados e em compras do dia-a-dia. Já a classe C voltou a buscar crédito, principalmente para as prestações de carros e motos.
“Esse mapeamento mostra um fôlego maior em todas as classes. O consumidor reduz os gastos em algumas coisas para poder gastar com outras, e é isso que se faz em época de crise”, diz Alvarenga.
A pesquisa também sugere um possível retorno no interesse pela compra de supérfluos. Em 2016, a Nielsen perguntou aos mesmos domicílios qual era a estratégia de cada família para economizar, e 42% responderam que trocavam marcas mais caras por outras mais baratas. Neste ano, essa taxa caiu para 35%.
“Os dados indicam uma importante recuperação do equilíbrio do orçamento e retomada das despesas de consumo, que serão mais conscientes”, diz Alvarenga.
Para 2018, a perspectiva da Nielsen é de que o consumo vai ser impulsionado por movimentos mais positivos da economia, pelo desemprego mais controlado, inflação mais baixa, e pelo crescimento do acesso ao crédito.
FGTS
Os saques das contas inativas do FGTS também funcionaram com uma válvula de escape para muitos problemas orçamentários e aliviou o bolso de uma parcela significativa da população, de acordo com Alvarenga.
A pesquisa aponta que quase metade (46,6%) dos entrevistados que receberam o benefício utilizaram a quantia para pagar dívidas. Outros 14,8% optaram por direcionar o montante para algum tipo de investimento.
Enquanto isso, 27% utilizou o dinheiro em viagens e lazer. E somente 11,6% dos beneficiados gastaram o recurso com alimentos, bebidas, itens de higiene, beleza e limpeza do lar em supermercados.
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